Esta postagem do blog faz parte da série O Que Ler (What to Read).
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Por Dr. Kouadio Raphaël Oura, vencedor da chamada de trabalhos realizada em colaboração com a NELGA
Como africanos(as), muitas vezes temos a impressão de que, para o Ocidente, e até mesmo para alguns de nós, as comunidades de nosso continente adotam práticas que não respeitam o meio ambiente. É como se as práticas responsáveis de proteção à natureza fossem de domínio exclusivo dos valores ocidentais. Esses valores determinam que o comportamento humano deve estar em conformidade com os objetivos do desenvolvimento sustentável, conforme definido pelas Nações Unidas.
Entretanto, a história ambiental de nosso continente revela a existência de valores tradicionais significativos para a proteção da biodiversidade. Esses valores, transmitidos de geração em geração, estavam presentes muito antes da colonização e continuam desde então, mesmo que tenham progredido e, às vezes, enfraquecido.
De fato, as disposições consuetudinárias para a proteção da natureza antecederam os princípios do desenvolvimento sustentável. Elas se baseiam no respeito às normas culturais enraizadas no conhecimento local. Esse conhecimento é transmitido e protegido por autoridades tradicionais que garantem o respeito ao ambiente social, econômico, natural e espiritual. Um dos princípios fundamentais é evitar o desperdício no consumo de recursos, para garantir o equilíbrio entre a natureza e a sociedade. Essa moderação no consumo de recursos leva à proteção do meio ambiente, das espécies naturais e dos valores culturais.
As florestas sagradas na África são um exemplo eloquente desses valores de proteção da biodiversidade. Essas florestas podem ser encontradas em países tão diversos como Senegal, Costa do Marfim, Libéria, Camarões e Etiópia. Para muitos povos africanos, as florestas sagradas têm uma dimensão mais ampla: elas representam locais de adoração e comunicação com ancestrais, espíritos e divindades, para garantir sua benevolência ou buscar seu conselho por meio de cerimônias, orações e rituais. O respeito pelas florestas sagradas é regido por proibições e tabus que regulam o acesso aos recursos.
Em muitos países, as florestas sagradas são as últimas ilhas florestais remanescentes, como em Benin e Togo. Apesar de seu pequeno tamanho, elas desempenham um papel importante na proteção da flora e da fauna, principalmente de espécies ameaçadas de extinção, e na captura de carbono. Entretanto, nos últimos anos, esses padrões comunitários foram abalados, colocando em risco a preservação da biodiversidade. O legado da colonização, certas políticas pós-coloniais de conservação da biodiversidade e a vulnerabilidade das comunidades às mudanças climáticas levaram a um colapso nos padrões de proteção natural, resultando em uma mudança de práticas. Como resultado, os(as) agricultores(as) estão cada vez menos respeitando as proibições e se envolvem em práticas cujos efeitos sobre o meio ambiente podem ser prejudiciais.
Para esta edição de O Que Ler, analisei quatro artigos recentes que examinam esse assunto pouco explorado e os desafios impostos por essas novas práticas agrícolas. Estudos de casos específicos da Guiné, Benin, Costa do Marfim e Camarões mostram claramente que o conhecimento tradicional ligado às florestas sagradas pode contribuir para o fortalecimento das habilidades comunitárias e das boas práticas de proteção da biodiversidade no continente africano.
Estas publicações nos convidam a renovar essas práticas ancestrais. Nos lembram da importância, como africanos(as), de voltarmos a alguns dos nossos fundamentos, colocando nossos valores no centro da luta atual contra a degradação da biodiversidade e as mudanças climáticas no continente. Essa abordagem requer uma análise aprofundada da dinâmica espacial das florestas sagradas. Esses são patrimônios naturais dos quais as populações obtêm enormes benefícios e que merecem ser melhor conhecidos. Isso requer conhecimento etnobotânico das espécies de plantas encontradas nessas florestas sagradas.
Se você tiver interesse em pesquisas sobre a conservação da biodiversidade por meio de valores ancestrais praticados em florestas sagradas, este boletim é para você.
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Publicações revisadas para esta edição:
- Florestas sagradas nas terras altas ocidentais de Camarões: Quais são os benefícios para a população local e para a natureza?
- Diversidade e conhecimento etnobotânico de espécies de plantas na floresta sagrada de Badjamè e áreas relacionadas no sudoeste do Benin
- Análise diacrônica, usando imagens Landsat, da dinâmica espacial das florestas sagradas da Bacia do Alto Níger na República da Guiné (1986-2017)
- Análise da dinâmica de ocupação dos ecossistemas costeiros na área protegida da comunidade Bouche du Roy, no Benin
Florestas sagradas nas terras altas ocidentais de Camarões: Quais são os benefícios para a população local e para a natureza?
Por Bertine Tiokeng, Merveille Lilie Ngougni, Tsobou Roger, Victor François Nguetsop, 2024
Esta contribuição destaca a importância do conhecimento tradicional por meio dos benefícios das florestas sagradas para as populações locais.
As autoras e autores examinam os vários serviços socioculturais de fornecimento e regulação oferecidos pelas florestas sagradas das Terras Altas Ocidentais de Camarões. De fato, as florestas sagradas dessa região desempenham um papel fundamental na conservação da diversidade biológica. Elas fazem parte da vida diária, pois são o local de reuniões secretas e várias cerimônias ritualísticas para fazer contato com o mundo invisível. Elas são o lar de divindades que são veneradas e respeitadas por toda a aldeia.
A pesquisa original revela que as florestas sagradas também fornecem à população necessidades básicas. Isso inclui lenha e madeira, plantas medicinais e místicas e gêneros alimentícios, como frutas e cogumelos. Em termos de serviços de regulação, essas florestas abrigam fontes de água que abastecem os vilarejos. Elas também regulam o clima ao absorver parte do CO2 gerado pelas atividades humanas.
As autoras e autores concluem, entretanto, que essas florestas sagradas, há muito protegidas pelos(as) moradores(as), estão sob crescente ameaça. As ameaças nessa parte de Camarões incluem a invasão de plantas exóticas, a expansão agrícola e a erosão dos valores tradicionais. Como resultado, a área de superfície das florestas sagradas nas Terras Altas do oeste de Camarões está diminuindo significativamente, enquanto novos comportamentos por parte da população local estão causando degradação.
É por isso que, no atual contexto de mudança de mentalidade, as autoras e autores propõem que o Estado de Camarões una forças com as autoridades tradicionais para consolidar estratégias de conservação endógenas para uma melhor preservação da biodiversidade.
Leia a publicação completa (Publicação disponível apenas em inglês)
Diversidade e conhecimento etnobotânico de espécies de plantas na floresta sagrada de Badjamè e áreas relacionadas no sudoeste do Benin
Por Hounto G., Tente B., Yabi F. e Yabi I., 2016
As florestas sagradas são conhecidas por sua diversidade de flora e fauna, mas a composição exata das espécies nem sempre é estabelecida. Considerando o contexto de forte degradação, é oportuno realizar um inventário para avaliar as espécies ameaçadas ou em perigo de extinção. Daí o interesse deste estudo, que fornece informações sobre a diversidade de espécies de plantas na floresta sagrada de Badjamè, no sul de Benin. O conhecimento gerado por esta pesquisa sobre aspectos ecológicos e socioeconômicos fornece ferramentas para a tomada de decisões e pode apoiar na elaboração de um plano de desenvolvimento da terra.
Esta pesquisa utiliza uma abordagem metodológica baseada em inventários fitossociológicos e levantamentos etnobotânicos para mostrar que a floresta sagrada examinada tem um índice significativamente mais alto de diversidade florística do que as savanas, campos e pousios circundantes. Os autores revelam que, de um total de 89 espécies de plantas registradas na área de estudo, 25 são encontradas em campos e pousios, 32 em savanas e 44 na floresta sagrada. Esses dados ilustram que a floresta sagrada de Badjamè é mais rica e diversificada em formações vegetais do que as savanas, que, por sua vez, são mais ricas e diversificadas do que os campos e pousios.
Os resultados da análise também demonstram que a reserva sagrada de Badjamè abriga recursos vegetais de grande utilidade para as populações locais em termos médicos, dietéticos, ambientais e socioculturais. No entanto, essas populações estão continuamente exercendo forte pressão sobre a floresta, levando à degradação desse patrimônio local. Em particular, os autores destacam a “atual pressão sobre a terra, a intensificação da colheita de certas espécies para fins medicinais e as mudanças socioculturais provocadas pelo forte estabelecimento de religiões monoteístas”.
Os autores recomendam a implementação imediata de medidas para proteger e salvaguardar a diversidade biológica da floresta sagrada de Badjamè. Isso poderia envolver uma análise da evolução espacial dessas florestas sagradas.
Leia a publicação completa (Publicação disponível apenas em francês)
Análise diacrônica, usando imagens Landsat, da dinâmica espacial das florestas sagradas da Bacia do Alto Níger na República da Guiné (1986-2017)
Por Fodé Salifou Soumah, Kouami Kokou, Mohamed Diakité, Youssouf Camara, Sidiki Kourouma, Souleymane Kourouma, 2021
Nos últimos anos, o uso do conhecimento endógeno no desenvolvimento de respostas inovadoras e específicas para a conservação da biodiversidade ganhou destaque em algumas instituições internacionais. Por exemplo, a grande atenção dada às florestas sagradas levou a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD - sigla em inglês) a financiar um projeto de observação espacial das florestas da África Central e Ocidental (OSFACO - sigla em francês) em 2017. Este artigo, que destaca os atuais desafios de conservação enfrentados pelas florestas sagradas, faz parte desse projeto sub-regional.
Uma análise da dinâmica espacial de 20 florestas sagradas na Bacia do Alto Níger, na República da Guiné, durante o período de 1986 a 2017, e de pesquisas de campo revela que essas áreas estão hoje fortemente antropizadas, apesar de seu valor ancestral. Os autores constataram que, com exceção de um local, todas as áreas iniciais regrediram, de 2.581,10 ha em 1986 para 1.206,6 ha em 2017, uma perda média de 57,5% em 31 anos. Isso equivale a uma taxa média anual de regressão de cerca de 4%. De acordo com os autores, essa redução considerável na área de superfície se deve principalmente à expansão agrícola (63%). Eles também citam o crescimento populacional, a proximidade das aldeias e o enfraquecimento dos sistemas de gestão tradicionais como outras fontes importantes de desmatamento desses patrimônios sagrados na Guiné.
Em resposta a essas preocupações, os autores propõem o desenvolvimento e a implementação de esquemas de desenvolvimento de terras em vilarejos com um plano de uso do solo (POS - sigla em francês). Considerando as ameaças atuais a essas florestas sagradas, eles também recomendam a conscientização do público sobre a importância da preservação da biodiversidade.
Leia a publicação completa (Publicação disponível apenas em francês)
Análise da dinâmica de ocupação dos ecossistemas costeiros na área protegida da comunidade Bouche du Roy, no Benin
Por Rose Kikpa Bio, Ismaël Mazo e Jérôme Dupras, 2023.
As áreas costeiras, que abrigam 60% da população mundial, incluem ecossistemas vitais, como os manguezais, agora ameaçados por pressões antropogênicas e climáticas. Os manguezais são um tipo único de floresta tropical. As árvores de mangue podem crescer em solos lamacentos, muitas vezes submersos pelas marés, e têm raízes aéreas que lhes permitem respirar. Essas florestas são ricas em biodiversidade, ajudam a capturar CO2, filtram a água e protegem os litorais contra a erosão.
Este artigo examina os efeitos da criação, em 2016, da Área Comunitária de Conservação da Biodiversidade de la Bouche du Roy (Aire Communautaire de Conservation de la Biodiversité - ACCB), que abrange 9.678 hectares e abriga 17 vilarejos. Essa vasta extensão de manguezais sustenta as atividades de pesca de 9.814 habitantes. A autora e autores do estudo coletaram dados usando imagens de satélite, levantamentos com GPS e pesquisas de campo, analisando a dinâmica do uso da terra ao longo de 20 anos para entender como a ACCB influenciou o tamanho do mangue.
Os resultados dessa pesquisa inovadora e altamente informativa revelam que a área coberta por manguezais entre 2000 e 2010 caiu 32%, enquanto os campos e as terras em pousio quase dobraram no mesmo período, de 579,8 hectares para 1116,54 hectares. No entanto, entre 2010 e 2020 (após a criação da ACCB), a tendência se inverteu: a área de manguezais aumentou 29%, enquanto a área de mosaicos de campos e pousios diminuiu 7,92%.
O estudo também mostra que a redução do tamanho da floresta não é irreversível. Para a autora e autores, os ganhos na área de mangue se devem principalmente à criação da ACCB, à abordagem de gestão participativa adotada e ao uso das crenças espirituais das populações do entorno. Aproximadamente 503 hectares de manguezais da ACCB foram sacralizados. Esse sistema de gestão da biodiversidade agora ajuda a controlar as atividades humanas e constitui uma estratégia genuína para a conservação das zonas de ecossistema. Um relatório da ONG Eco-Benin, que desenvolveu essa abordagem, explica que a sacralização consiste em demarcar espaços durante uma cerimônia ritualística para colocá-los sob a proteção de divindades existentes. De acordo com a ONG, as populações locais respeitam a proibição da extração de madeira, e nenhuma infração foi registrada desde que o local foi sacralizado em 2015. Em suma, as novas florestas sagradas têm sua existência baseada nos valores tradicionais das populações locais, ajudando assim a preservar ecossistemas ameaçados.
Leia a publicação completa (Publicação disponível apenas em francês)
Sobre 'O Que Ler'
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