No dia 27 de fevereiro de 2025, a Fundação Land Portal organizou um webinário sobre como explorar o financiamento sustentável do registro de terras e da governança fundiária. Como a sustentabilidade financeira continua sendo um grande desafio para os sistemas de administração de terras em todo o mundo, especialistas de Burundi, Uganda, Somália e instituições internacionais compartilharam suas experiências e estratégias para fazer a transição de modelos dependentes de doadores para mecanismos de financiamento autossustentáveis.
A sessão, moderada por Richard Baldwin, especialista em administração fundiária e membro do Conselho do Land Portal, foi inaugurada com o reconhecimento da necessidade urgente de estabelecer sistemas de administração fundiária resilientes, de propriedade local e equitativos.
Gemma Betsema, consultora sênior de programas da LAND-at-scale (TERRA-em-escala), enfatizou a importância de integrar a sustentabilidade financeira desde o início dos projetos. “Ampliar a governança fundiária não se trata apenas de aumentar o número de parcelas registradas, mas de melhorar os sistemas e procedimentos para que se tornem autossustentáveis e preparados para o futuro”, destacou.
Perspectivas do campo: Sucessos e desafios
Burundi: Uma abordagem de modelo de negócios para serviços fundiários descentralizados
Rémy Ndayiragije, especialista em governança da VNG International, apresentou o modelo de plano de negócios que está sendo implementado em Burundi. A iniciativa permitiu que as autoridades locais gerassem quase meio milhão de dólares anualmente com serviços fundiários, cobrindo cerca de 50% do orçamento anual de um município.
“A chave para a sustentabilidade”, explicou Rémy, ‘é alinhar as taxas de registro de terras com os padrões locais de custo de vida e, ao mesmo tempo, garantir o acesso equitativo para grupos vulnerabilizados, como mulheres e a comunidade Batwa’. Ele também enfatizou que o registro sistemático de terras ajuda a garantir que as pessoas mais ricas subsidiem os custos de registro para os(as) cidadãos(ãs) de baixa renda, promovendo a inclusão.
Uganda: Transição da dependência de doadores para o autofinanciamento
Sarah Akileng, consultora técnica da GIZ Uganda, compartilhou percepções do Projeto de Política Fundiária Responsável (RELAPU - sigla em inglês), que facilitou o registro de terras consuetudinárias usando um modelo de autofinanciamento.
“Iniciamos a transição em 2022, exigindo que as comunidades contribuíssem com uma taxa mínima para o registro de terras”, disse ela. “A demanda da comunidade tem sido esmagadora, e os líderes locais têm sido fundamentais para definir taxas acessíveis.”
Ela destacou várias estratégias importantes que contribuíram para essa transição:
- Utilização de estruturas governamentais existentes em vez de empreiteiros externos
- Campanhas de conscientização lideradas pela comunidade para destacar os benefícios do registro de terras
- Inclusão dos serviços de registro de imóveis nos orçamentos anuais dos distritos para garantir a continuidade
As taxas permanecem acessíveis, com custos médios de € 10 a € 12 por registro, tornando-o acessível até mesmo para as comunidades mais marginalizadas.
Somália: Aproveitamento da Captura do Valor da Terra para a Sustentabilidade Financeira
Abdihakim Abdullahi Omar, consultor sênior do gabinete do vice-presidente em Puntland, Somália, apresentou uma abordagem alternativa: a captura do valor da terra (LVC - sigla em inglês) como uma ferramenta para financiar a governança da terra urbana.
“Em Bosaso, temos um próspero mercado informal de terras dominado por corretores e comerciantes. Agora estamos trabalhando para regulamentar e integrar esses atores aos sistemas formais de receita”, explicou.
Uma iniciativa importante foi a garantia de 435 lotes com títulos de propriedade para pessoas deslocadas internamente (IDPs), aumentando a segurança da posse da terra e gerando receitas municipais. A introdução de um sistema de tributação progressivo é outra etapa crucial, garantindo que as propriedades de maior valor contribuam mais e, ao mesmo tempo, mantendo os impostos acessíveis para os(as) moradores(as) de baixa renda.
Percepções globais: Projetando sistemas de administração de terras financeiramente viáveis
Christelle van den Berg, gerente regional da Kadaster International, apresentou uma perspectiva comparativa, com base em experiências na África e além. Ela enfatizou três fatores críticos de sucesso para a sustentabilidade financeira:
- Compromisso político: A governança fundiária deve estar no topo da agenda nacional.
- Colaboração institucional: Os acordos entre as autoridades nacionais e locais são essenciais.
- Um modelo de negócios bem definido: As receitas devem cobrir os custos operacionais e, ao mesmo tempo, garantir a acessibilidade.
Ela também destacou o papel das parcerias internacionais, como o Banco Mundial e a UE, no financiamento dos esforços iniciais de registro de terras. No entanto, ela advertiu: “Os investimentos só devem ser feitos se houver uma estratégia clara de recuperação de custos e autossuficiência a longo prazo”.
O papel dos dados fundiários abertos e transparentes
As e os palestrantes concordaram unanimemente que sistemas de informações fundiárias abertos e transparentes são fundamentais para a sustentabilidade financeira e a confiança do público. Remy Ndayiragije argumentou que um Sistema Nacional de Informações Fundiárias acessível a todas as partes interessadas pode impulsionar a geração de receita e, ao mesmo tempo, reduzir as chances de corrupção. Sarah Akileng reforçou esse ponto, acrescentando que o aumento da transparência melhora a responsabilidade e a confiança nos sistemas de governança fundiária.
Conclusões principais e próximas etapas
O webinário ressaltou que os modelos de financiamento sustentável para a governança fundiária exigem uma abordagem de múltiplas facetas, incluindo:
- Mecanismos inovadores de financiamento, como LVC, autofinanciamento e tributação progressiva.
- Estruturas legais e institucionais sólidas para apoiar a administração descentralizada de terras.
- Incentivos à participação da comunidade para garantir acessibilidade e equidade.
- Apoio estratégico de doadores que enfatiza a sustentabilidade de longo prazo em vez do financiamento de projetos de curto prazo.
Com o declínio do financiamento global orientado por doadores para projetos de governança fundiária, os países precisam explorar estratégias alternativas de financiamento orientadas localmente. Os exemplos do Burundi, de Uganda e da Somália destacam que, embora os caminhos possam ser diferentes, um compromisso comum com a independência financeira, a inclusão e a transparência é essencial para alcançar uma governança fundiária sustentável.